sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

(1)-ORIGENS DOS MITOS

As lendas são o legado cultural que as civilizações herdaram daquelas que a antecederam, e suas origens regridem ao raiar da aurora que iluminou o princípio da inteligência humana. Desenvolveram-se similarmente no seio dos povos primitivos, independentemente da localização geográfica em que floresceram ao redor do globo terrestre, deixando para a posteridade as interpretações que suas mentes abraçaram em relação a todos os eventos que direta ou indiretamente vivenciaram, ou que de uma forma ou de outra se interligaram as suas vidas. Entre elas, as mais profundas, sem duvida, estão atreladas à origem do mundo, o dilúvio, a razão da vida, o que se segue à morte e o que ocasiona os fenômenos da natureza porque julgavam que todos eram maléficos.
O próprio Sigmund Freud, o pai da psicanálise, ainda no século XIX afirmava que o homem vinha a este mundo contra a sua vontade devido a todos os riscos e perigos a que estava sujeito. Na sua obra “introdução à psicanálise”, na pagina 100, encontra-se uma colocação como mínimo curiosa: “No relacionamento com este mundo, ao qual viemos sem o desejar, inúmeras vezes vivemos situações que são impossíveis de serem suportadas de forma ininterrupta. Por isso mergulhamos, de tempos em tempos, naquele estado em que nos encontrávamos antes de vir à este mundo”. Como Freud era um materialista, portanto alguém que não acreditava em vidas pregressas, devemos entender que “de tempos em tempos” ele mergulhava na vida interuterina. Assim sendo, cada homem ou grupo humano, de acordo com a dimensão das experiências que viviam, interpretava e rotulava cada uma delas através dos parâmetros permitidos pelos diferentes graus de conhecimentos que a sua cultura permitia, rótulos estes que vagarosamente, ao sedimentar-se cada vez mais profundamente, acabavam lhe influenciando a metodologia de vida e por extensão à todos aqueles que lhe aceitavam seus pontos de vista.
Retornando a Freud, 66 anos apos a sua morte – faleceu em Londres em 1939 – apesar de todo o novo cabedal de conhecimentos que as varias escolas cientificas desenvolveram através da pesquisa, para muitos, as teorias de Sigmund Freud permanecem verdades inabaláveis.
É por esta razão que as “verdades” que o homem em cada epoca conquistou, solidificaram-se e se cristalizaram no seio de todos os povos, e nestes, nas mentes de cada individuo na medida em que as respostas oferecidas satisfaziam plenamente a sua curiosidade. Entretanto, para muitos, cada resposta ensejava novas perguntas: a luz do dia, a escuridão da noite, o sol, a lua, as estrelas. O frio, a chuva, os raios, a neve, as florestas, os animais, e todas as formas que a natureza assumia em seus múltiplos aspectos.
No inverno, depois que a caça desaparecia e as arvores se despiam de suas folhas, uma camada de neve silenciava a floresta, e com ela, a fome se transformava no fantasma da morte.
Na primavera, quando com os tépidos raios do sol começava o degelo, e a água cristalina se precipitava pelas cachoeiras e corria nos riachos, e as cores explodiam atendendo ao imperativo da natureza, a floresta preguiçosamente despertava para novamente dar abrigo aos animais que dela haviam partido. Simultaneamente, os dias mais quentes e longos, ampliavam as horas dedicadas à caça e ao recolhimento de frutos e tubérculos. O fantasma da fome, então, desaparecia como se o espírito da floresta harmonizando-se novamente com o homem lhe transmitisse um novo alento de vida.
No verão as forças do mundo animal atingiam seu clímax pela multiplicação das espécies, e o outono, após sinalizar sua chegada pintando as folhas de mil diferentes cores antes de desnudar as arvores das florestas, anunciava o prelúdio de mais um ciclo de senilidade da mata. Fases que eram superáveis só por meio das experiências repetitivas ao longo dos anos, porque ensinavam que se por um lado eram inevitáveis, do outro eram previsíveis e portanto para elas o homem poderia se preparar.
A necessidade de melhores abrigos contra o frio e minimizar os perigos levou o homem a buscar novas soluções para o seu habitat, encontrou a caverna que iluminou e aqueceu com o fogo. Do interior destes abrigos, com o tempo, mais experiente e serenado, o homem passou a se interessar por aspectos até então não considerados: observando o nascer do sol ao amanhecer, e as luzes que à noite brilhavam no céu, terminou por descobrir que ao longo do ano sempre “nasciam” e “morriam“ em pontos diferentes. Curioso, iniciou-se na observação destes fenômenos demarcando diariamente suas fases no solo da caverna. Posteriormente, lhe notou as circunvalações, seus reflexos em relação ao meio-ambiente e como esses interagiam com seus interesses.
Nas noites observava as estrelas e entre elas as que se destacavam por serem mais brilhantes. Anotando-lhe a posição que ocupavam uma em relação às outras, começou a esquadrinhar o céu e a se iniciar nos conhecimentos de astronomia. Que impacto tiveram sobre os primeiros homens os eclipses, no céu diurno ou noturno é inimaginável. Contudo, observando-os, cada povo interpretou estes eventos sob o foco de suas crenças e cada um deles foi aceito e compreendido de acordo com as concepções que até aquele momento haviam se arraigado em suas mentes: O medo deve ter sido a primeira percepção, seguido, posteriormente, pela reverencia e seqüencialmente a adoração.
Para alguns povos, os egípcios por exemplo, o sol se tornou o deus único e o símbolo da vida, enquanto para outros, como os incas, uma divindade que para fortalecê-la era imprescindível lhe doar muito sangue. Homens eram sacrificados com este fim.
A lua, a guardiã das noites, também teve seu simbolismo como o tiveram as estrelas, exemplificando-se em Sírio cuja elevação para os egípcios predizia o inicio das benéficas inundações do rio Nilo - sinônimo de fartura - enquanto Vênus, que para os gregos era a deusa da beleza, para os Maias, sem que haja registro especifico, devia representar muito mais porque calcularam em 583.935 dias sua órbita em relação a Terra e quando o planeta, percorrendo-a, se encontrava na posição equivalente a sua máxima distancia angular do sol - elongação leste - era chamado “Vésper, a estrela da tarde ou vespertina”, porque seguindo a trajetória do sol poente aparecia na luminosidade crepuscular, e quando o precedia ao se erguer de manhã - elongação oeste - a chamavam “Lúcifer” a estrela da manhã ou matutina”.
Fixar pontos de referencia no céu tornou-se uma exigência vital não só para procurar explicações mas também para nortear atividades.
Destas observações surgiram, cerca de 35.000 anos atrás, inúmeras inscrições e pinturas rupestres indicando inequivocamente que as maiores civilizações daquele tempo já possuíam ótimos conhecimento do espaço celeste. Este saber estava amadurecendo e ao longo dos anos seguinte, conseqüência da vida social e do trabalho que passara a ser desenvolvido ao ar livre, constantemente em contato com a natureza, continuou aprimorando-se. O bom senso porem indica que sem um “bom professor”, o homem daquele distante passado jamais teria aprendido e realizado as inexplicáveis obras que deixou para a posteridade.
Com o passar dos séculos o homem alterou seu comportamento e, deixando o nomadismo, fixou-se nas regiões escolhidas e iniciou uma existência estável. Com o desenvolvimento das primeiras sociedades agrícolas impôs a si mesmo um maior conhecimento da abobada celeste e, mais particularmente, da visualização do céu em cada estação. Surgia, assim, um instrumento que como um calendário natural indicava o transcorrer do tempo. Com este fim foram erigidos inúmeros complexos megalíticos meticulosamente alinhados com o horizonte para indicar os períodos, e com eles, as épocas de plantio e das colheitas, bem como dos equinócios e solstícios.
Um dos primeiros foi o de Stonehenge, na Inglaterra, mas existem muitos outros ao redor do planeta. No entanto a documentação existente indica - sem esquecer que ao longo dos milênios o maior volume dela foi extraviado, destruído, soterrado ou queimado - que os egípcios e os mesopotamicos foram os primeiros povos a possuir não só conhecimentos de astronomia, mas o da maioria das ciências. As pirâmides e os textos contidos nas tabuas e pergaminhos que hoje se encontram nos museus do mundo atestam estas verdades, mesmo se estes conhecimentos, como aconteceu em quase todas as culturas, por terem permanecido dentro dos recintos dos templos e restrito as classes sacerdotais (estas os utilizavam para se perpetuar no poder) acabaram se perdendo.
No céu noturno passaram a desenhar, traçando linhas imaginárias entre os astros brilhantes, as imagens dos deuses e dos heróis que desejavam cultuar. Surgindo por redundância os signos do zodíaco.
Ao redor do mediterrâneo, segundo a história, foram os babilônios os primeiros a retirar da observação celeste os sinais que utilizavam para predizer o futuro e depois deles vieram os egípcios.
Mais tarde, coube aos gregos “importar” do Egito e da Babilônia os estudos astronômicos que lá existiam para adaptá-los a sua própria cultura. Surgiram assim os primeiros catálogos estelares nomeados segundo suas tradições.
Foi assim que cada cultura forjou e temperou suas crenças, atribuindo a responsabilidade da criação do mundo, do homem e das demais manifestações da natureza, para aquele, ou aqueles, que eram indicados pelas castas sacerdotais: os deuses.
Desse modo, enquanto para alguns povos era de uma semente ou de um ovo que havia surgiu à vida - o simbolismo é ligado ao ciclo das plantas e dos pássaros, ou seja, ao continuo e eterno renascimento após a morte: a semente gera a planta e a planta gera a semente; o pássaro gera o ovo e o ovo gera o pássaro - para outros era da terra, da imagem que nela havia sido esculpida, da água ou ainda pela vontade de um deus.
Outras etnias acreditavam que os responsáveis pela criação eram dragões ou serpentes plumadas e aladas, porque para elas estes animais simbolizavam os “veículos” que os deuses utilizavam para se deslocar de um lugar para ou outro sobre a crosta do planeta: a deusa Mertserger dos egípcios era uma serpente, o barco solar de Karnak tinha a forma de serpente enquanto na Índia acreditavam que antes do inicio do todo Visnu jazia imóvel no dorso de uma serpente de mil cabeças que boiava sobre um oceano de leite.
Essa mesma serpente para as culturas pré-colombianas era a via Láctea, a arvore da vida que no céu noturno se estendia de um lado ao outro do horizonte, brilhando, devido à luminosidade refletida pelos corpos celestes que a compõe.
Para aqueles que haviam alcançado um estagio incorpóreo maior, mesmo se não estavam cônscios dos limites que lhe eram impostos pela falta de um maior saber, somente divindades sobrenaturais poderiam ser os responsáveis pela criação de tudo o que viam ao seu redor. Assim sendo, acreditavam que cada fenômeno ou acontecimento era ordenado por um deus, semideus, espírito, ou seres mágicos das florestas.
Entre estes, no entanto havia os que, por terem desenvolvido uma sensibilidade maior, conseqüentemente maior discernimento espiritual, guardavam em sua alma a certeza que em si mesmos havia uma melodiosa mensagem do infinito, de um Deus, ainda que lhe desconhecessem o nome, que de algum lugar clamava por eles.


Estas anotações sensoriais, registradas e enriquecidas ao longo dos séculos, permitiram gradualmente ampliar a compreensão humana até entender que, independentemente da fase vivida: dia ou noite, o frio ou calor, fome ou fartura, fertilidade ou infertilidade, alegria ou dor, a vida, pela força que há em si mesma, pode superar qualquer obstáculo. Logo, a morte e a vida deviam ser fases que não findavam em si mesmas.
Destas observações, e da exploração ainda que rudimentar destas alternâncias, nasceram os primeiros princípios teóricos, e destes, as aplicações praticas iniciais a partir das quais a inteligência humana começou a superar a fase primaria.
Passo a passo, vagarosamente, com o desenvolvimento da inteligência analógica, as perguntas “como isso acontece” em relação a todos os fenômenos existentes passaram a serem respondidas de uma forma ou de outra, e o homem começou a satisfazer suas necessidades inicialmente como indivíduo, depois como membro de um núcleo familiar, como participante de um grupo, de uma tribo, de uma etnia e depois de um povo. Em decorrência destas superações passou a atender suas demais necessidades: sentimentais, afetivas, mentais, intelectuais e espirituais.
É assim que, continuando a se harmonizar cada vez mais com as melódicas e perpetuas formas de expressão da natureza, a humanidade finalmente começou a entender que a morte não é um fim, mas um evento natural e repetitivo em obediência a todos os demais ciclos infindáveis da natureza: nascimento, vida, morte e renascimento e que estes eventos são meros passos do longo caminho que a alma tem que percorrer para galgar a culminância que por ela espera. Essa avaliação trouxe em seu bojo o imperativo de ajuizar a morada em que o espírito habita após a morte do corpo que utilizava, ou melhor, qual é o seu habitat entre uma encarnação e outra. A este questionamento cada civilização respondeu de forma diferenciada. Para algumas existia uma ilha ao abrigo dos ventos para onde iam os espíritos dos mortos levados por um barqueiro ao qual deviam ser pagas duas moedas de prata. Outras entendiam que depois da morte os espíritos vão para o céu independentemente de como estes se comportaram enquanto na carne, distinguindo-se destas as que afirmavam que para o céu só iam os espíritos dos homens bons, e com este objetivo, depois da morte, suas obras eram julgadas.
Existiam e ainda há doutrinas que acreditavam que o espírito jamais vai voltar à nascer na carne porque depois do seu decesso, como homem, dorme até ser acordado no dia do juízo final para o destino que merecer, enquanto outras entendem que os espíritos dos mortos retornam a esta vida renascendo em um ventre materno, independentemente de ser no seio da mesma família ou não, ou ainda que o espírito pode retornar a este mundo como homem se tiver sido bom, ou como animal se tiver vivido escravo das baixas paixões.
Na nevoa dos milênios, porem, a humanidade perdeu muito dos conhecimentos que possuía, e hoje, infelizmente, retorna a discutir tudo o que já havia sido arrazoado e decidido, isso porque por muito tempo a palavra falada foi o único instrumento para transmitir informações. Só muito mais tarde, cada cultura ao seu modo, desenvolveu a metodologia da escrita: símbolos esculpidos em tabuas, em pedras, desenhos rupestres, hieróglifos, textos pintados em peles de animais, em cortiça de arvores e finalmente no papiro e no pergaminho. Mesmo assim, o interesse em relatar os ensaios vividos só se tornou um habito muito tempo depois. De tal modo, inicialmente restringiu-se às castas sacerdotais e somente mais tarde os nobres aprenderam a ler e escrever para se comunicar ou para que seus segredos pudessem ser utilizados por aqueles que os sucederiam.
Centenas de anos depois, devido à disponibilidade de conhecimentos que naquele período as civilizações não tinham a menor possibilidade de desenvolver por si mesmas, surgiram, com todo o esplendor que lhe deu a imortalidade, obras gigantescas contendo, inseridas em seu contesto, além do que já foi traduzidos, textos ilegíveis, outros ainda não interpretados e muitos outros que ainda não despertaram o interesse da ciência. Destarte, como veremos, da incomensurável herança que a humanidade herdou do passado, são selecionados os poucos julgados meritórios, e estes, manipulados pelos dogmas das religiões ou da ciência, se transformam em coletâneas de informações contrastantes que revelam, antes de qualquer outra coisa, a eterna inquietude que historicamente reina entre estas instituições.
Neste contesto, indiscriminadamente, grande parte da já pouca documentação que sobreviveu é considerada obra morta, sem interesse, porque mesmo sendo narrativas de caráter maravilhoso, o fato histórico que lhe deu origem - dizem eles - foi deformado pela imaginação humana ou inventado por alguém para atingir um fim nem sempre digno ou meritório.
Devido a estas conceituações, a bibliografia que foi esculpida nos milênios continuará arquivada em caráter permanente no cesto de lixo da historia até que, de improviso, das camadas inferiores do subsolo, por razões acidentais, sejam trazidos à luz outros documentos que as tornem de interesse cientifico, uma vez que se for religioso, os dogmas destas instituições vão rotulá-los apócrifos ou hereges. Isso porque todos os povos primevos descreveram, com a “linguagem permitida pelo seu intelecto” os acontecimentos que de uma forma ou de outra os atingiram em uma latitude qualquer da sua sensibilidade, ainda que estes tenham sido favoráveis ou adversos.
Começaremos por descrever a interpretação que os povos deram ao inicio do mundo e ao dilúvio universal, consentindo que a analise dos leitores conclua se há ou não semelhanças entre elas.

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